Platão e o Jiu-Jitsu: Entre o Instinto e a Coragem Verdadeira
Por Fabio Gurgel
Platão foi um dos maiores pensadores da história. Discípulo de Sócrates e mestre de Aristóteles, dedicou sua vida a investigar o que torna uma vida verdadeiramente boa — e como alcançar virtudes como justiça, sabedoria e coragem. Em seu diálogo Laques, ele faz uma pergunta simples, mas profunda: o que é, afinal, a coragem?
A conversa se dá entre Sócrates e dois generais atenienses. Eles tentam definir coragem como “não fugir do combate”, “resistir ao medo”, “manter-se firme diante do perigo”. Mas Sócrates, como sempre, vai além das aparências. Ele quer saber: isso é mesmo coragem, ou apenas imprudência disfarçada?
E é aqui que Platão se conecta com o tatame.
No Jiu-Jitsu, vemos isso o tempo todo:
O atleta que se lança por impulso para sair de uma posição difícil.
O iniciante que age no instinto, tentando escapar com força ou desespero.
O competidor que confunde bravura com teimosia.
À primeira vista, tudo isso pode parecer coragem. Mas, como diria Platão, talvez seja apenas ignorância ativa — a ação sem discernimento. E, no Jiu-Jitsu, a consequência vem rápida: a derrota.
Pouca gente sabe, mas as técnicas do Jiu-Jitsu foram justamente criadas para explorar os padrões instintivos do ser humano — aquilo que o corpo tenta fazer automaticamente quando está em perigo.
A arte foi desenhada para neutralizar o impulso com inteligência.
Para vencer o instinto com consciência.
O praticante que reage sem técnica é como aquele que enfrenta o medo sem entender o que está fazendo. Pode parecer nobre — mas é perigoso, ineficaz e, muitas vezes, autodestrutivo.
A verdadeira coragem no Jiu-Jitsu não é o impulso cego.
É a constância.
É suportar a pressão.
É permanecer calmo mesmo na pior posição, porque se confia no conhecimento adquirido.
Assim como Platão, o Jiu-Jitsu nos ensina que o lutador mais perigoso não é o mais impulsivo, mas o mais sereno.
Aquele que pensa.
Aquele que espera o momento certo.
Aquele que entende que coragem, sem razão, vira imprudência.
Ser corajoso, segundo Platão, é agir com entendimento.
É saber o que se enfrenta, por que se enfrenta, e quando é hora de avançar ou recuar.
No tatame, isso significa respeitar a técnica acima do instinto, e a verdade acima da vaidade.
No fim, a luta mais difícil não é contra o outro —
É contra o impulso que grita, quando a consciência pede silêncio.